40% DOS BRASILEIROS TEM DÍVIDAS NO CARTÃO DE CRÉDITO
Quatro em cada dez brasileiros têm dívidas no rotativo do cartão de crédito, tipo de empréstimo com os juros mais altos do mercado: 417,4% ao ano. E esta taxa de inadimplência de 44,7% é a maior da série histórica do Banco Central (BC), iniciada em 2011.
Neste cenário, o governo federal faz pressão para que os bancos reduzam os juros. Nesta segunda-feira (17), representantes dos bancos estiveram reunidos com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e prometeram criar um grupo de estudos para analisar o assunto, com a participação do Banco Central.
Para se ter uma ideia do risco de fazer uma dívida no cartão de crédito, uma pessoa que usar o cartão e não pagar qualquer fatura terá que desembolsar um valor quase cinco vezes maior, depois de um ano.
Um exemplo: quem usa R$ 1.000 no cartão de crédito terá uma dívida de R$ 4.174 após 12 meses. E se a pessoa ficar mais um ano sem pagar a dívida, passa a dever R$ 17.422, mais de 17 vezes o valor inicial. Fora a multa que será cobrada pelo atraso no pagamento.
Como funcionam os juros do cartão de crédito?
Na fatura do cartão de crédito, existem dois valores: o total e o mínimo. O total corresponde a todas as despesas que a pessoa realizou com a forma de pagamento.
Já o valor mínimo corresponde a 15% do total. Portanto, uma fatura com total de R$ 1.000 terá mínimo de R$ 150. O cliente pode optar por pagar qualquer valor entre o mínimo e o total.
Mas quando o consumidor não paga o valor total, o crédito rotativo é acionado. A dívida vai para o mês seguinte, mas com um custo bem alto: de 11% a 12% de juros ao mês.
Esta taxa vai incidir sobre todo o restante da dívida em cada nova fatura, até que o valor total seja quitado. Daí a explicação porque os juros fazem a dívida virar uma “bola de neve”, aumentando mais e mais a cada mês.
Multa
Além dos juros, os bancos também cobram uma multa de quem não paga a fatura do cartão de crédito em dia. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) fixa a cobrança desta multa por atraso em 2% ao mês.
Mas é preciso tomar cuidado: ela não é proporcional aos dias corridos. Assim, se o consumidor atrasar o pagamento em um dia ou em 30 dias, a multa terá o mesmo valor.
Além da multa por atraso, os bancos cobram ainda os juros de mora, com tarifa que não pode ultrapassar 1% ao mês.
No total, os juros de mora e a multa somados aumentam a dívida do cartão de crédito em mais 3% ao mês.
Ou seja, aquele cliente que usou R$ 1.000 vai precisar pagar mais R$ 30 de multa e juros de mora a nova cada fatura, caso não pague a dívida.
O que dizem os bancos
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) já propôs discussões sobre o tema e até divulgou um estudo com o título “Como fazer os juros serem mais baixos no Brasil”.
Neste material, a Febraban lista algumas razões que podem explicar porque as taxas do cartão de crédito são tão altas.
Um dos motivos, segundo os bancos, é que o serviço tem um custo alto de operação e a maioria dos clientes não paga juros, pois mantém o pagamento das faturas em dia.
Para justificar, a Febraban explica ainda que quase um terço (32%) do consumo das famílias é feito com cartão de crédito, o que corresponde a R$ 840 bilhões por ano.
Os bancos alegam também que o comércio se beneficia imensamente do cartão de crédito. Entre outras vantagens, as compras no cartão evitam o custo e o desgaste de ter que lidar com cheques sem fundos.
“Temos de encontrar mecanismos que ataquem as causas. E uma das causas relevantes para o juro do rotativo ser alto é o chamado parcelamento sem juros no cartão. A gente precisa discutir esse ponto”, disse o presidente da Febraban, Isaac Sidney, em um evento neste mês.
Economista rebate bancos
A explicação dos bancos não convence a economista e professora de MBAs da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Carla Beni.
“O rotativo do cartão de crédito está ligado à conta corrente da pessoa e ao gasto médio que ela tem, ou seja, o limite do cartão é dado pelo banco. Sendo assim, cobrar mais de 400% ao ano para que a pessoa possa dividir as compras, ou seja, usar o rotativo do cartão é algo inexplicável. Não há nada, nenhum modelo matemático, nenhum modelo econômico que justifique como que você pode cobrar essa taxa mesmo com uma Selic elevadíssima de 13,75% ao ano”, afirma.
Segundo a professora, o número de pessoas com dívidas em atraso no cartão de crédito é alto porque a dívida fica quase impagável com a incidência de tantos juros. “Ele (o cartão) é o próprio combustível da inadimplência”.
A professora diz ainda que esta é uma das modalidades mais fáceis para o banco ganhar dinheiro, pois o cliente usa o cartão e quando abre a fatura, a própria instituição financeira já oferece a opção para ele pagar somente o valor mínimo e deixar o restante da dívida para depois, com juros.
“Tem que se negociar uma forma em que os bancos não só reduzam drasticamente a taxa do cartão, mas também diminuam o limite fornecido às pessoas para que elas não entrem nesse espiral de endividamento.
A fatura também precisa de alterações, segundo a economista da FGV.
“Outra questão muito relevante é a forma que o banco apresenta a fatura para o cliente. Ela precisa ser redesenhada de uma maneira em que ele não seja induzido a fazer o pagamento da fatura mínima”, conclui.