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PANDEMIA ENVELHECEU CÉREBRO DE ADOLESCENTES

Um estudo recentemente publicado sugere que a pandemia da Covid-19 pode ter acelerado o envelhecimento do cérebro em adolescentes. A pesquisa, publicada na revista Biological Psychiatry: Global Open Science, utilizou exames de ressonância magnética de adolescentes americanos antes e durante a pandemia, e encontrou transformações físicas nas estruturas cerebrais dos jovens, bem como uma piora significativa na saúde mental.

Os pesquisadores da Universidade de Stanford compararam exames de 64 participantes de cada grupo – pós e pré-pandemia – levando em conta fatores como idade, sexo, exposição ao estresse no início da vida, puberdade e status socioeconômico. Após o comparativo, os cientistas descobriram que as mudanças físicas que acontecem naturalmente no cérebro durante a adolescência ocorreram de forma mais rápida no grupo que vivenciou a pandemia.

Em um artigo divulgado pela instituição norte-americana, um dos autores do estudo, o professor de psicologia da Marjorie Mhoon Fair da Escola de Humanidades e Ciências de Stanford, Ian Gotlib, explicou que, embora os pesquisadores já soubessem que a pandemia tivesse causado piora na saúde mental dos jovens, eles não sabiam que o período havia afetado os cérebros dos adolescentes também de forma física.

Conforme o professor, embora as mudanças na estrutura cerebral sejam naturais na medida em que as pessoas envelhecem, essas transformações ocorreram de forma distinta nos jovens observados. Segundo ele, durante a puberdade e início da adolescência, há um crescimento maior no hipocampo e na amígdala, áreas do cérebro que são responsáveis por controlar o acesso a determinadas memórias e que ajudam no controle de emoções.  Ao mesmo tempo, o avanço da idade também faz com que os tecidos do córtex – área responsável pelo funcionamento executivo do cérebro – tornam-se mais finos.

Essas transformações naturais, porém, ocorreram mais rapidamente na medida em que os adolescentes vivenciavam os lockdowns da pandemia de Covid-19. Conforme Gotlib, essa aceleração só havia sido notada, até então, em  crianças que haviam passado por adversidades crônicas, como violência, negligência, disfunções familiares ou uma combinação desses fatores.

Pandemia também causou dificuldades na aprendizagem

Embora a pesquisa não consiga mensurar se as mudanças são permanentes, algumas transformações ocasionadas pelo período pandêmico já podem ser notadas não apenas em adolescentes, mas também em crianças. É isso o que conta a neuropsicóloga Vanessa Coelho. “Não temos noção dos reflexos que esses impactos vão ter, porque foi algo que nunca aconteceu, ou que quando aconteceu, não havia tantas pesquisas, mas já notamos uma redução no QI das crianças, por exemplo. Tanto que, hoje, não podemos avaliá-las com as mesmas tabelas cognitivas de dois anos atrás”, explica.

A especialista pontua ainda que além do estresse ocasionado pela pandemia, a baixa estimulação cerebral durante os períodos de isolamento também são responsáveis por mudanças. Vale ressaltar que durante o período pandêmico crianças e adolescentes em idade escolar foram impactados de forma direta, já que vivenciaram não só a paralisação de aulas, como também a mudança no formato de aprendizagem, que durante muito tempo passou a ser feito exclusivamente à distância.

A consequente falta de socialização do período é outro fator de impacto. “Quando estamos socializando, também estamos aprendendo. Uma criança pequena aprende palavras e comportamentos novos quando está junto de outra. Na socialização, você tem um processo de aprendizagem comportamental e também cognitivo”, ressalta Vanessa.  “É por isso que hoje a gente tem crianças de quatro, cinco anos, que estão tendo dificuldade de socialização, dificuldade de esperar. Porque nessa faixa etária, quando estão na escolinha, eles têm o momento de socialização, de contar uma história. Algo que não aconteceu na pandemia e que pode acarretar em questões comportamentais, como a dificuldade de parar e sentar para ouvir”, exemplifica.

Adolescentes também não escapam dessas alterações. Técnica em Química, Ana Caroline Contiero, de 20 anos, encerrou o ensino médio durante o período de isolamento e conta que o formato não presencial das aulas e até mesmo a falta de socialização a afetaram de diversas formas. “No começo [da pandemia] eu não senti nada de muito diferente, pareciam férias. Mas quando foi piorando e as aulas começaram a ser online, comecei a ter muita dificuldade. Era muito difícil manter a concentração apenas no aplicativo da aula com um monte de ícones no computador, às vezes eu colocava músicas ou até olhava o Twitter enquanto ouvia o professor”, lembra.

O isolamento também a desmotivou. “Fiquei bem depressiva, chegou um momento em que eu não aparecia mais na maioria das aulas ou só ia porque me avisavam que iria ter prova. Antes de tudo isso, eu era muito mais dedicada, mas parecia que eu não estava conseguindo mais absorver o conteúdo. Como eu fazia ensino técnico junto do ensino médio, ter aulas teóricas sem poder aplicar no laboratório deixou o estudo um tanto abstrato. Uma amiga minha geralmente me ajudava com as questões porque eu não conseguia mais fazer por conta própria. Quando acabei o terceiro ano e me formei parecia que ainda tinha um ano incompleto. Até hoje me sinto um pouco insegura porque sei que perdi muito conteúdo que as outras pessoas tiveram”, confessa.

Dificuldade de diagnóstico

As alterações causadas pelo que foi vivenciado durante a pandemia, também fazem com que o diagnóstico de muitos transtornos se torne mais difícil. “Não conseguimos saber o que é o sintoma do paciente e o que é um sintoma ocasionado pela pandemia. Uma criança é realmente hiperativa ou ela não aprendeu a socializar ou esperar o momento dela?”, expõe a neuropsicóloga.

Uma das saídas diante de dilemas como esse têm sido o início do tratamento antes mesmo da definição do diagnóstico. “A forma de tratar continua sendo igual, o aumento da estimulação, a aprendizagem de comportamento. Se com pouco tempo já observarmos bons resultados, conseguimos entender que não há um transtorno, mas que aquilo é uma consequência da pandemia”, explica.

Por fim, a neuropsicóloga destaca que esses impactos no cérebro, na saúde mental e no próprio comportamento reforçam a importância do processo escolar, que promove não só a aprendizagem cognitiva, mas também a comportamental. “Ele ainda tem outras funções que vão além do aprender, como a função emocional. Ver os seus pares ajuda a lidar com diversos sentimentos. Na pandemia, não víamos como o outro estava sofrendo e ele não via o nosso estado, mas ter alguém do lado auxilia nesses processos”, acrescenta.