MANTER A CASA ORGANIZADA FAZ BEM PARA A SAÚDE MENTAL, DIZ ESTUDO
Sabe aquela sensação boa de entrar em um ambiente arrumado, com cheirinho floral de produtos de limpeza? A ciência explica. Estudos mostram que uma casa bem organizada pode impactar diretamente na saúde mental de quem vive nela.
Pesquisa publicada em 2018 pela empresa norte-americana The Clorox Company revelou que, quando perguntados sobre como se sentiam em um ambiente limpo, 80% dos entrevistados disseram ficar mais relaxados, 72% das pessoas responderam se sentirem mais produtivas, e 60% revelaram ficar menos estressados.
Por outro lado, a ciência também indica uma relação direta entre viver em um lar desorganizado com o aumento do estresse e da ansiedade. Um estudo publicado pelo Jornal de Personalidade e Psicologia Social, disponível na Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos, apontou elevação do cortisol, conhecido como o hormônio do estresse, em moradores de casas, cujos cômodos são desorganizados ou sujos.
“Há probabilidade de que a bagunça e a desorganização possam levar a transtornos de ansiedade em algumas pessoas, assim como sentimentos de incapacidade, frustração, baixa autoconfiança e autoestima”, pontua a psicóloga especialista em terapia cognitivo-comportamental Simone Miranda Felipe.
Isso acontece porque a desordem do espaço de uma casa exige que a mente atue como se estivesse em situação inédita a cada momento, estimulando-a negativamente, conforme explica a psicanalista Ana Carolina Tiuso.
“A constância de um lar se reflete no clima emocional e no uso do espaço e tempo, e a inconstância crônica resulta na utilização de defesas rígidas para lidar com a ansiedade gerada. A inflexibilidade, a repetição patológica de rituais e o retraimento emocional são exemplos de possíveis sintomas que atuam como estratégias para lidar com um ambiente desorganizado”, analisa Ana.
Simone aponta ainda que pessoas que têm a casa bagunçada tendem a perder mais tempo para realizar as atividades, pois não conseguem encontrar o que precisam. “Além disso, muitas vezes, essas pessoas não se sentem confortáveis dentro da própria casa. Elas costumam estar constantemente preocupadas, pois, em função da bagunça, sabem que não vão conseguir cumprir as tarefas necessárias ou prazos exigidos. Com isso, entram constantemente em um estado de procrastinação”, registra.
Ao contrário, em um espaço organizado, as pessoas conseguem focar naquilo que precisa ser feito, sem distrativos. “Um ambiente organizado facilita a realização de processos corriqueiros, como preparar uma comida, guardar objetos, se arrumar para sair… Isso promove menos exaustão, aumento de produtividade, sensação de controle, tranquilidade e bem estar e consequentemente qualidade de vida”, indica a psicóloga Simone Miranda Felipe.
A contadora Thais Nogueira, de 32 anos, sente isso na pele. Para ela, faxinar constantemente a casa é fundamental para manter em dia “a tranquilidade, o bem-estar e a paz”. Ela já chegou, inclusive, a pegar um atestado médico para conseguir ajeitar a casa.
Na época do ocorrido, há dez anos, a contadora doou sangue pela manhã para conseguir ter o resto do dia livre para limpar a residência. “Se eu não pegasse o atestado, não conseguiria dar a famosa faxina por semana”, relembra, aos risos. “Uma casa suja me afeta muito: a ansiedade ataca e fico estressada”, diz.
Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Minas Gerais, Ana Carolina elabora que a organização pode ser entendida como um auto de autocuidado.
“A capacidade de organização está atrelada à capacidade mental de lidar com a realidade externa e interna. Ela é construída nos pilares dos cuidados um dia proferidos pelas mentes dos cuidadores. Essa capacidade de cuidar, uma vez introjetada, poderá refletir na habilidade de lidar com a organização do tempo e do espaço quando a pessoa tem alguma autonomia já conquistada”, diagnostica.
‘Casa não deve ser centro cirúrgico’
No poema “Casa Arrumada”, a escritora carioca Lena Gino narra que, sim, é ótimo ter um lar organizado, mas que “casa tem que ser casa e não um centro cirúrgico.” “Eu prefiro viver numa casa onde eu bato o olho e percebo logo: aqui tem vida… Casa com vida, pra mim, é aquela em que os livros saem das prateleiras e os enfeites brincam de trocar de lugar”, reflete, poeticamente.
De fato, organização não deve ser sinônimo de esterilização. Afinal, um lar é composto não somente por móveis e eletrodomésticos, mas, sobretudo, por gente. “Uma casa sem vida é aquela em que não se pode usar nada ou onde nada pode sair do lugar, mesmo que seja por um período pequeno de tempo. Um ambiente aconchegante é aquele que você pode fazer o que pretende. Ele te acolhe e traz bem estar”, elabora a personal organizer Jacqueline Moreno.
Portanto, segundo ela, é fundamental encontrar um equilíbrio entre organização e aconchego. “Se você curte tomar café, sua casa precisa do Cantinho do Café. Se gosta de ver televisão, precisa de um sofá organizado com boas almofadas, controle remoto com lugar definido e acessível… O segredo é devolver os objetos ao lugar após o uso. Com um bom sistema de organização, as pessoas não terão medo de fazer o que querem e de usar suas próprias coisas, pois saberão que não é difícil guardar o que saiu do lugar”, orienta.
No entanto, reflete ela, é fundamental ter clara a diferenciação entre arrumação e desorganização. “Compreender essa diferença é importante pois a verdadeira organização facilita a vida, traz bem estar e aumenta a qualidade de vida das pessoas”, elabora, citando um exemplo para explicar os conceitos.
“Pense numa casa em que você chega para um jantar e está tudo bonito e arrumado. Parece bem organizada. Mas, ao abrir um armário, ele está abarrotado e é difícil encontrar o que precisa. Pode ter certeza: esta casa está desorganizada”, acentua.
“Agora, pense numa casa em que a roupa suja acumula, a geladeira fica cheia de comida velha, e ninguém dá notícia da rotina de limpeza. Essa casa também é desorganizada”, exemplifica. Então, na prática, organizar uma casa significa criar “uma rotina doméstica, que inclua arrumação, limpeza e gestão da casa, além de um sistema de organização, com lugares definidos para os objetos, os quais serão armazenados de forma a serem facilmente acessados”, reitera.
Por onde começar?
Por mais que manter a casa seja benéfico para a mente, nem sempre é fácil começar. Para dar o primeiro passo, a psicóloga Simone Miranda Felipe, especialista em neuropsicologia e formação em terapia do esquema, recomenda que as pessoas escolham a tarefa mais fácil.
“Pode-se iniciar uma limpeza por uma gaveta, para, só depois, se preparar para organizar um armário e depois para um cômodo. Dividir a tarefa em pequenas partes pode facilitar para que a pessoa se sinta mais motivada, e iniciar logo pelo cômodo pode ser frustrante para pessoas que têm dificuldades para se organizar”, traça.
A personal organizer Jacqueline Moreno concorda com a psicóloga. “Eu venho orientando meus clientes que comecem pelo local que mais incomoda ou pelo local que mais o motiva. Isso é sugerido por cientistas que trabalham com pessoas que acumulam. E funciona!
Mas é necessário começar pequeno, ou seja, fazer aos poucos. Estabelecer metas realizáveis ajuda os iniciantes a não desistirem. Por exemplo, se o que mais incomoda é o closet, comece pelas gavetas de meias. Depois organize as calças e assim por diante”, recomenda.
Botando a mão na massa!
A personal organizer Jacqueline Moreno estabelece alguns passos para manter a casa organizada, e, consequentemente, a mente em dia!
Confira algumas das dicas dela:
1) Crie um sistema de organização
Ele pode ser dividido em dois tipos: o convencional e o método que atende a pessoas com dificuldades de organização. “Qualquer método deverá levar em consideração o espaço disponível, o acervo (tipo e quantidade de objetos) e o estilo de vida.”
2) Dedique um tempo para manter a organização diariamente
A grande questão é não deixar para depois. “Insisto em duas orientações com meus clientes: para criar uma rotina, anote tudo que precisa fazer semanalmente e depois defina um horário diário para fazer a ‘ronda da casa’, que consiste em gastar de 15 a 20 minutos recolhendo o que está fora do carro lugar e retornando ao devido lugar.”
Feito isso, ela indica dicas que podem ser usadas usando o método tradicional:
- Crie classes de objetos. Em outras palavras, junte tudo que é da mesma categoria em um espaços específicos.
- Faça uma triagem de cada classe, ficando com o que deseja e dando destino ao que está excedendo.
- Defina setores para cada classe de objetos.
- Utilize técnicas de armazenamento.
- Crie uma rotina de manutenção e limpeza.
A personal organizer Jacqueline Moreno destaca ainda que um ambiente desorganizado também pode provocar conflito entre os membros daquela casa. “Para diminuir as dificuldades, o ideal é focar nos espaços coletivos. Vamos dar o exemplo da cozinha. Será preciso criar um sistema de organização que facilite a vida da família, colocando os itens mais usados à mão e utilizando boas técnicas de armazenamento”, começa.
De fato, para o êxito da organização do tempo e espaço é fundamental o envolvimento dos membros da família, segundo a psicanalista Ana Carolina Tiuso. “Para tanto, é necessário que todos os envolvidos se sintam respeitados em suas peculiaridades e limites. Desse modo, torna-se possível que os membros usufruam dos benefícios da nova estruturação, como lhe for possível. Entendendo que a desorganização crônica é um sintoma, a análise do lugar e papéis subjetivos atribuídos aos diversos membros é fundamental para a reestruturação”, analisa Ana.
Embora o sistema instalado nem sempre vá agradar a todos, é necessário uma colaboração coletiva para funcionar. “Ou seja, todos devem ser informados do lugar de cada coisa, esforçando-se para aprender e procurar manter a organização. Como informar? Mostrando, ensinando, usando potes transparentes ou etiquetas rotuladoras. Além disso, é importante evitar os excessos. Para manter o ambiente organizado, vale a velha máxima: ‘tirou, guardou; sujou, lavou; acabou, comprou (ou comunicou); abriu, fechou’. Lembrando, ainda, que ajustes devem ser negociados”, arremata Jacqueline.