500 MIL VIVEM EM ÁREAS DE RISCO EM MG
Enquanto as montanhas de Minas Gerais praticamente se tornaram a marca registrada do Estado, são também elas o principal fator de risco em períodos chuvosos. Quando fortes chuvas atingem o relevo, poucos minutos são necessários para descer os morros, tirar vidas e deixar um rastro de destruição. Neste momento, já não se sabe de onde vem tanta água: se das tempestades, se dos olhos das vítimas. O paradoxo é vivido ano a ano: a celebração da beleza do mesmo relevo que também mata impiedosamente. As superfícies montanhosas são uma das justificativas para que Minas Gerais tenha, atualmente, mais de 582 mil pessoas vivendo em áreas de risco geológico, conforme especialistas. Mas esse não é o único motivo: construções irregulares e falta de planejamento e de ações mais incisivas completam a lista que fazem do Estado um local que pode ser altamente mortal quando as tempestades se formam.
A tragédia mais recente provocada por fortes chuvas em Minas Gerais aconteceu na madrugada desse domingo (12 de janeiro) no Vale do Aço: ao todo, dez pessoas morreram em Ipatinga e uma em Santana do Paraíso, em deslizamentos de terra. A preocupação, segundo moradores, permanece: há previsão de mais chuvas na região, e o solo encharcado, junto às áreas montanhosas, assustam. Entretanto, no momento, não há nada o que fazer, segundo especialistas: apenas retirar as pessoas em segurança antes de mais tempestades.
“A área onde ocorreu a tragédia é inclinada, o solo já estava encharcado. Na rua, as casas ‘vão subindo’ o morro, e é justamente por ele que a chuva vai escoar. A água vai sair do ponto alto para o mais baixo; é o caminho natural quando não se tem drenagem adequada”, explica a professora do Instituto Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Maria Parisi.
As áreas montanhosas também são apontadas pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB) como uma das razões para que Minas Gerais tenha tantas áreas em risco geológico. No entanto, esse não é o único motivo, sinaliza o levantamento.
“A maioria das áreas de risco de deslizamentos é decorrente da construção sem acompanhamento técnico especializado, com imóveis erguidos muito próximos da crista ou da base de taludes de corte, sem se observar questões relativas à segurança. Esse processo é deflagrado durante precipitações intensas ou prolongados períodos de chuva. Portanto, devem ser monitorados e acompanhados com frequência, já que a morfologia da encosta, a dinâmica hídrica e os parâmetros do solo podem oferecer as condições necessárias para acontecer novos deslizamentos no local ou em regiões vizinhas”, diz o órgão.
A professora da UFMG Maria Parisi também destaca o modo como muitos imóveis são construídos e o risco que isso pode representar para os seus moradores. “Essas casas, provavelmente, não têm profundidade na fundação, não há um terreno firme. Elas são fundadas em solo que pode se movimentar se estiver muito saturado. O peso das moradias, quando o solo está encharcado, estimula essa movimentação”, explica.
Dessa forma, diz ela, há uma junção de fatores. “Minas Gerais é uma região montanhosa, com vários terrenos predispostos a esse tipo de processo. Então, junta tudo: chuva forte, falta de drenagem e construções com fundações inadequadas, muito rasas, que não sustentam a casa”, diz.
Ações
De acordo com a professora, no momento, com o solo saturado e mais previsão de chuva, não é possível fazer nenhum tipo de obra. Há risco inclusive de trabalhadores serem soterrados. No entanto, é possível olhar para o futuro e tentar modificar essa realidade que assola o Estado há tantos anos.
“Neste momento, o foco deve ser salvar vidas e, por mais triste que seja, algumas pessoas precisam deixar as suas casas, conforme orientação da gestão pública. Depois, é possível pensar em ações como mapear áreas com risco de deslizamento, estabelecer diretrizes para construção ou não nesses locais e determinar se pode ou não construir”, diz.
Conforme Maria Parisi, em algumas áreas é inviável ter construções. Por isso, segundo ela, são necessárias políticas públicas para a reconstrução de moradias em locais apropriados. Em outras situações, estudos podem apontar que muros de contenção, por exemplo, garantem a segurança. No entanto, isso não é fácil e custa muito dinheiro para pessoas que podem sofrer com a falta de moradia e com o déficit habitacional.
“Não tem obra barata em locais de alto risco. Além disso, para fazê-las, é preciso fazer a remoção de pessoas, mesmo que temporária. Muitas vezes é economicamente inviável. Por isso, pode ser melhor retirar as pessoas e abrigá-las em outro local”, diz Maria Parisi.