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BRASIL É O 2º PAÍS QUE MAIS FAZ CIRURGIA PLÁSTICA

Na última semana, a internet foi pega de surpresa com o anúncio da morte precoce da influenciadora Luana Andrade. Aos 29 anos, a ex-participante do programa “Power Couple”, da TV Record, teve complicações após uma lipoaspiração no joelho. A história da influenciadora não é um caso isolado. Embora não existam registros oficiais sobre falecimentos após procedimentos cirúrgicos estéticos, uma tese de doutorado, defendida pelo dermatologista e pesquisador Érico Di Santis, levanta informações sobre o tema. Conforme o trabalho, entre 1987 e 2015, foram noticiadas 102 mortes após procedimentos estéticos no país.

Um levantamento feito pela reportagem* mostra que, entre 2022 e 2023, três mulheres morreram em Belo Horizonte após se submeterem a cirurgias plásticas. As pacientes tinham idades entre 29 e 54 anos.

Embora diferentes fatores possam estar envolvidos nas mortes relatadas – vale ponderar que procedimentos cirúrgicos têm sempre um risco –, um questionamento paira no ar: a pressão estética tem sido tão forte a ponto de se tornar cada vez mais comum que as pessoas recorram a intervenções para modificar a aparência?

Os dados brasileiros parecem dizer que sim. Somente em 2020, ano de início da pandemia da Covid-19, foram feitas 1.306.962 cirurgias plásticas no país. Valor que coloca o Brasil na segunda posição entre os que mais fazem procedimentos cirúrgicos estéticos no mundo. As informações são da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (Isaps, na sigla em inglês).

A situação não é muito diferente ao redor do mundo, que também registra centenas de milhares de procedimentos feitos. Na avaliação do psicólogo Danty Marchezane, o cenário reflete uma questão de saúde mental coletiva. “Não é algo individual. Até porque se a gente for olhar ao nosso redor, todo mundo está fazendo alguma coisa. Se estamos em um círculo, num restaurante, entre os nossos amigos, vai ter sempre alguma pessoa que passou por um procedimento estético, e isso é preocupante”, pontua.

“Por que o nosso corpo parece não ser bom o suficiente para nós?”, questiona. “É claro que é justo que a pessoa tenha a liberdade e o direito de realizar os procedimentos que lhe convêm. Não estamos aqui para dizer que é proibido, mas isso começa a alcançar um ponto que começa a ficar nocivo”, observa ele, que também é mestre em estudos psicanalíticos pela UFMG, professor da Faculdade Pitágoras e conselheiro do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais.

As coisas acabam se tornando tão constantes que a busca por modificações cirúrgicas tem acontecido cada vez mais cedo. Se antes esses procedimentos costumavam ser usados para esconder ou suavizar os sinais do tempo, agora eles acabam se tornando parte da rotina dos mais jovens. Uma pesquisa desenvolvida pela Academia Americana de Cirurgia Facial, Plástica e Reconstrutiva aponta que 56% dos cirurgiões consultados notaram um aumento no número de clientes com menos de 30 anos.

Outro estudo desenvolvido pela Academia evidenciou também os efeitos dos filtros utilizados nas redes sociais nas justificativas para cirurgias plásticas. Conforme a pesquisa, mais da metade dos médicos, 55%, atenderam em 2017 pacientes que queriam passar por cirurgias para aparecer melhor em selfies. Em 2013, a porcentagem era de 13%.

Danty Marchezane pondera, porém, que a influência não é toda das redes sociais, mas também faz parte de uma cultura que tem dificuldade em aceitar o diferente. “Acho que a gente tem que se perguntar, enquanto sociedade, o que estamos fazendo para que as pessoas sintam que precisam tanto dessas mudanças. Se uma pessoa usa determinada roupa, tem determinada preferência, faz determinadas escolhas que são consideradas diferentes, ela vai ser excluída, criticada, isso quando não for linchada, agredida. Acho que esse problema está ligado diretamente à forma como a sociedade tem suportado a diferença”, pontua ele.

Conforme o psicólogo, um cenário de busca incessante por um padrão de beleza impossível só pode ser combatido com políticas públicas que provoquem uma mudança de pensamento. “De uma forma objetiva e sincera, a saída é difícil. Mas o ideal seria uma política que conscientizasse as pessoas e a sociedade dos riscos que a gente corre ao tentar se enquadrar em determinados padrões”, afirma.

Para exemplificar a importância desse tipo de abordagem, Danty cita o próprio uso do cinto de segurança. Se hoje a utilização é obrigatória e faz parte da própria rotina de quem entra em um automóvel, isso só foi possível por políticas públicas que incentivaram massivamente a utilização da proteção.

“Como psicólogo, posso falar que as pessoas devem fazer terapia. É claro que ela vai ajudar e trazer benefícios, mas não adianta fazer o tratamento se a pessoa coloca o pé para fora e o mundo é diferente, com a sociedade cobrando dela constantemente. A terapia não é uma mágica, ela vai ajudar, vai dar ferramentas, mas o entorno também precisa estar consciente e tolerar a diferença”.

*Levantamento feito com base em matérias veiculadas na imprensa.

Procedimentos cirúrgicos não são vilões

Para além de toda a questão social e cultural que envolve a busca por o que é entendido como beleza ideal, é preciso ressaltar que as pessoas têm direito de buscar formas de se sentirem satisfeitas com o corpo e suas características físicas. E, diante do desejo ou da necessidade de recorrer a um procedimento cirúrgico, algumas coisas precisam ser consideradas.

“Para tornar o processo mais seguro, é necessário, antes de tudo, uma consulta com antecedência, analisar o que pode ser melhorado e aquilo que não pode também. É ideal ter boas condições de saúde e fazer uma avaliação com exames de sangue, de imagem e cardiológicos”, explica o cirurgião plástico Henrique Coraspe.

Segundo ele, buscar por um profissional especializado também faz toda a diferença. E, para isso, ele aconselha a pesquisa em sites do Conselho Regional de Medicina e, ainda, na Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. “Escolha também o local onde serão realizados os procedimentos. Fazer cirurgias em clínicas que não têm estrutura aumenta muito o risco de complicação. É importante se programar para que tudo seja feito em um ambiente hospitalar, em um local que ofereça recursos e estrutura, tanto física quanto de recursos humanos, para atender as necessidades que possam surgir”.

Vale também fugir de profissionais que prometem resultados irreais, omitindo riscos. “É papel do médico conversar com os pacientes sobre as limitações do procedimento, saber o que pode ser conquistado com o resultado”, afirma.

Henrique Coraspe orienta ainda que é mais seguro optar por cirurgias mais breves, mesmo que isso signifique mais idas ao médico. “Na busca por uma melhora estética, vários pacientes apresentam diversas alterações que desejam fazer. É prudente fracionar esses procedimentos, fazendo cirurgias mais rápidas. Claro que precisamos avaliar cada caso, mas o ideal é ir dividindo, optando por menos tempo na sala de operação, menos tempo de anestesia e menos limitação no pós-operatório”, diz.

O cirurgião plástico aconselha que o paciente procure se informar e evite fazer cirurgias por impulso.