BRASIL ESTÁ LONGE DE CUMPRIR LEI DE ACESSIBILIDADE
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BRASIL ESTÁ LONGE DE CUMPRIR LEI DE ACESSIBILIDADE

Mesmo que problemas como passeios quebrados ou com pisos escorregadios sejam preocupantes para todos, é a Pessoa com Deficiência (PCD) quem mais sofre. A falta de uma rampa de acesso para cadeirantes, por exemplo, impede o mínimo de segurança de deslocamento para esse cidadão. De acordo com Jaison Cervi, geógrafo da Coordenadoria de Geografia do IBGE e responsável pelo estudo urbanístico, no ritmo atual de implantação de rampas nas calçadas, o Brasil levará cerca de sete décadas para atender à necessidade da atualidade.

Entre os problemas que atrapalham a qualidade de uma calçada, estão:

– Buracos e desníveis;
– Ausência de faixa tátil para pessoas com deficiência visual
– Rachaduras e piso escorregadio ou quebrado por razões diversas, incluindo raízes de árvores expostas;
– Postes de luz mal posicionados;
– Lixeiras, caçambas, bancos, etc, mal localizados ou mal instalados;
– Entulho ou itens abandonados;
– Degraus ou rampas sem padrão;
– Falta de largura adequada para passagem;
– Publicidade ou placas que obstruem o caminho.

No Brasil, as calçadas devem ter acessibilidade, conforme é regulamentado pela Lei nº 10.098/2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para esse fim para Pessoas com Deficiência (PCD) ou com mobilidade reduzida. Em complemento, a norma ABNT NBR 9050 também estabelece critérios para a acessibilidade em calçadas, incluindo largura mínima de faixa livre para circulação de pedestres, pisos antiderrapantes, ausência de desníveis e obstáculos, entre outros.

Problema multifatorial

Para Sandra Nogueira, professora de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), e doutora em Planejamento Urbano e Regional, a questão da melhoria das calçadas no Brasil é complexa e vai muito além da responsabilização do proprietário do imóvel. Segundo ela, historicamente, as cidades brasileiras foram pensadas e construídas sem priorizar a mobilidade do pedestre.

“Foi privilegiado o veículo motorizado, resultando em espaços públicos fragmentados e inseguros para circulação a pé. Além disso, as calçadas vêm sendo cada vez mais disputadas por usos diversos, como comércio informal, mobiliário urbano, placas e equipamentos que, embora tragam vitalidade aos espaços públicos, também limitam e dificultam o deslocamento seguro e confortável das pessoas, especialmente aquelas com mobilidade reduzida ou deficiência”, afirmou.

Para tornar o tema ainda mais complexo, ela completa que a fiscalização sobre irregularidades é insuficiente, somada a uma população que ainda não entende completamente a importância do respeito à acessibilidade e do direito do uso compartilhado à cidade. “Fatores que, juntos, explicam o cenário atual apontado pelo Censo”, disse. Para solucionar o desafio, a especialista propõe que a discussão seja um processo contínuo e colaborativo entre poder público e cidadãos.

“Isso inclui uma revisão crítica da legislação urbanística, mas também a criação de espaços de diálogo e parcerias comunitárias. É fundamental investir em educação cidadã que estimule o respeito à acessibilidade e à inclusão, reforçando o compromisso com os direitos de todas as pessoas que vivem e circulam pela cidade. Uma mudança real só acontecerá com uma gestão pública responsável e cidadãos conscientes do seu papel em garantir uma cidade acessível, segura e verdadeiramente democrática para todos”, encerrou.

Alysson Coimbra, diretor da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego, também propõe que a solução vá além da responsabilização individual. Segundo ele, é fundamental pensar em uma relação entre cidadão e poder público, com alternativas que podem ser implementadas pelas prefeituras, incluindo incentivo fiscal, com redução no valor do IPTU para imóveis que mantêm suas calçadas em boas condições; programas de cooperação entre prefeitura e moradores para divisão de responsabilidades; multas e notificações educativas, mas com um caráter pedagógico antes de punitivo; e projetos de calçadas padronizadas, em que a prefeitura oferece materiais ou mão de obra subsidiada, especialmente em áreas de maior vulnerabilidade.

“A solução passa por transformar o cuidado com a calçada em um tema coletivo, e não apenas uma obrigação individual. Quando o poder público, os moradores e os comerciantes trabalham juntos, a cidade toda se beneficia: menos acidentes, mais mobilidade, mais saúde e um ambiente urbano mais humano”, declarou Coimbra.

Questão de saúde

O diretor da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego ainda lembra que as calçadas irregulares ou em más condições representam risco à segurança de todos, especialmente aqueles com mobilidade reduzida, idosos, gestantes e crianças, que são mais vulneráveis a desequilíbrios e quedas. “Irregularidades como desníveis, buracos, rachaduras e má conservação podem levar a quedas que resultam em lesões ortopédicas, como entorses, fraturas de tornozelo e pé, e, em casos mais graves, traumatismos cranianos”, explicou.

Além disso, Coimbra afirma que a falta de manutenção das calçadas pode obrigar os pedestres a utilizarem a pista de rolamento, aumentando o risco de atropelamentos e outros acidentes de trânsito, o que, segundo ele, sobrecarrega o sistema de saúde pública com atendimentos de emergência, cirurgias e reabilitações. Os passeios irregulares ainda contribuem para a redução da mobilidade urbana, “desestimulando o uso de meios de transporte ativos e sustentáveis, como caminhar e andar de bicicleta”.

“Do ponto de vista da mobilidade urbana, calçadas acessíveis e seguras incentivam o deslocamento a pé, promovendo a mobilidade ativa. Isso contribui para a redução do sedentarismo, melhora a qualidade de vida da população e reduz a dependência de veículos motorizados, diminuindo o trânsito e as emissões de poluentes”, disse o especialista.

 

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