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CONSUMO EXCESSIVO DE ULTRAPROCESSADOS AUMENTA OCORRÊNCIA DE DOENÇAS

O título do livro do médico inglês Chris Van Tulleken, lançado no ano passado, toma emprestada uma frase da cientista brasileira e doutora em ciências da saúde Fernanda Rauber, que dá uma medida da tragédia: “Ultraprocessado não é comida!”. Em maio, o cineasta norte-americano Morgan Spurlock, famoso pelo filme “Super Size Me: A Dieta do Palhaço” (2004), em que passou um mês apenas se alimentando de fast-food, morreu aos 53 anos, vítima de câncer.

Uma pesquisa divulgada em conjunto por estudiosos norte-americanos, australianos e europeus chegou à conclusão de que os alimentos ultraprocessados, aqueles que passam por processos industriais com adição de gorduras, açúcares e sódio, estão diretamente associados a 32 doenças diferentes, aumentando a incidência de câncer, problemas mentais e morte precoce na população.

A nutricionista, professora e coordenadora da Faseh (Faculdade da Saúde e Ecologia Humana), Ana Luiza Pellegrinelli, ressalta que, hoje, há um consenso na literatura científica de que o aparecimento de doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes, hipertensão e colesterol alto, está relacionado “ao consumo excessivo e a longo prazo de alimentos ultraprocessados”, conhecidos pelo excesso de uma ou mais substâncias específicas, como passou a ser exibido nos rótulos a partir de 2023, denunciando a alta presença de açúcar e gordura, por exemplo.

Descompasso entre lucro e saúde

Ana cita a recorrência de sódio nesses produtos e explica o motivo. “O sódio é um conservante muito barato para a indústria alimentícia”, diz. O que deixa claro o descompasso entre lucro e saúde. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a maior causa de adoecimento e morte no mundo, atualmente, são as doenças cardiovasculares, o que Ana vincula tanto ao “excesso de gordura quanto de sódio” no organismo. O Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde, classificou, em 2014, os alimentos entre in natura, minimamente processados, processados e ultraprocessados.

“A orientação é que a gente volte a nossa alimentação para o alimento mais natural possível”, destaca Ana. No caso dos ultraprocessados, a indicação é para um consumo que seja “o mais eventual possível”. Trocando em miúdos, “eles não devem fazer parte da nossa rotina alimentar”, pondera a nutricionista. “Não é o ideal que eu tenha ultraprocessados no café da manhã, no almoço ou nos lanches da tarde com frequência”, complementa ela. Em dezembro de 2023, o presidente Lula assinou um decreto que proíbe a comercialização de produtos ultraprocessados para a merenda escolar, privilegiando uma dieta saudável.

A medida está em consonância com o pensamento de Ana. “O lanche da escola não dá para ser salgadinho tipo chips, biscoito recheado, suco industrializado de caixinha, que tem alto teor de açúcar”, enumera a entrevistada, que sugere, como opção, os sucos de caixinha feitos com 100% de fruta, adoçados com os próprios nutrientes do alimento. Para os adultos, ela recomenda, naquele momento de lazer e descontração, “dar preferência para uma pizza com fermentação natural ou a um hambúrguer artesanal, do que para aqueles que já vêm congelados”, compara.

Recompensa para dias bons ou ruins

Ana não deixa de considerar que, para muitas pessoas, a alimentação é vista como uma espécie de “recompensa para um dia bom ou ruim”. “Do ponto de vista psicológico, aquele alimento ultraprocessado pode até gerar um bem-estar, porque remete a uma memória de infância ou gera algum alívio, mas, do ponto de vista físico, não há nenhum benefício, porque são alimentos com substâncias criadas pela indústria, e que, muitas vezes, não são reconhecidas pelo nosso organismo, como conservantes, corantes”, pondera.

A longo prazo, no entanto, as doenças tendem a ocultar a sensação de alívio passageiro. A flora intestinal seria uma das mais afetadas. Ana observa que pessoas que consomem muitos alimentos ultraprocessados tendem a ter um consumo baixo de frutas, verduras e legumes, acarretando numa baixa de fibras, vitaminas e minerais. Segundo ela, a literatura científica já estabeleceu que a falta de uma flora intestinal saudável prejudica o funcionamento de todo o organismo.

“Antigamente, a gente falava só em glândula, linfonodo e células de defesa, mas, hoje, muitos estudos relacionam o intestino ao nosso sistema imunológico”, afiança a nutricionista. Ela divide os efeitos dos ultraprocessados, no que diz respeito ao apetite, em dois opostos. “Aqueles que são ricos em gorduras geram uma saciedade maior, porque a digestão é mais lenta, ao passo que os que têm alto teor de açúcares são facilmente digeridos, como os refrigerantes, o que pode levar a um consumo frenético”.

Ultraprocessados aumentam a incidência de doenças em crianças

A nutricionista Ana Luiza Pellegrinelli admite que a sociedade atual, “em que tudo precisa ser para ontem”, favorece o consumo de alimentos ultraprocessados, que têm causado diversas doenças na população. “O fato de serem alimentos que estão prontos, com uma grande durabilidade, muitas vezes é decisivo na hora de escolher a dieta”. Outra condição que costuma se impor é a do preço. Ana avalia que a mudança de hábitos depende de disposição e estratégia, e deve se dar aos poucos.

Ela dá como dica muitos locais que produzem alimentos saudáveis, embora congelados, conhecidos como “fit”. “E, muitas vezes, esses produtos não são tão caros como as pessoas pensam”, garante. Um ponto de preocupação é que essa rotina alimentar frenética, gordurosa e açucarada tem afetado também as crianças. Ana conta que já há relatos de crianças entre 8 e 10 anos com diabetes, hipertensão e obesidade, doenças crônicas que, “na época dos nossos avós, atingiam pessoas com mais de 50 anos”, sublinha a nutricionista.

“Não só no Brasil, o mundo todo tem registrado um aumento muito grande das doenças crônicas não transmissíveis nessa faixa etária”, diz Ana. Além da atenção, os adultos teriam que se voltar ao ditado: “A palavra ensina, mas o exemplo arrasta…”.