ESPECIALISTAS TEMEM QUE VARIANTE DELTA AUMENTE COM FLEXIBILIZAÇÕES
O uso de máscara, distanciamento social e higienização das mãos continuam sendo medidas eficazes de prevenção à Covid-19, mesmo com a chegada da variante delta, mais transmissível. Especialistas em saúde alertam, porém, que os cuidados devem ser redobrados neste momento e cobram atualização de protocolos de segurança sanitária.
“Os protocolos ainda são aqueles de março de 2020, que se preocupam demais com a contaminação por superfície, com o uso de álcool em gel e em medir a temperatura das pessoas na porta, mas mal checam se alguém entra em algum lugar com a máscara bem-ajustada ou não. É urgente rever os protocolos que temos hoje”, pontua o pós-doutorando na Faculdade de Medicina de Vermont (EUA) e membro do Observatório Covid-19 BR, Vitor Mori.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) ainda considera a possibilidade de contaminação por superfícies, porém cada vez mais pesquisadores destacam que o maior perigo está no ar, daí a necessidade da ventilação e do uso adequado de máscaras. “É triste vermos muita gente com máscara no queixo e nariz para fora. As pessoas ainda não compreenderam que a máscara precisa cobrir nariz e a boca para cumprir seu papel”, destaca a epidemiologista e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Ethel Maciel. Como Mori, ela defende a distribuição de protetores do tipo PFF2, mais filtrantes, pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Atualmente, o ministério recomenda o uso de máscaras de pano de três camadas à população em geral, e pesquisadores também orientam que se use uma máscara cirúrgica sob uma máscara de pano bem ajustada.
O médico sanitarista e ex-diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) Claudio Maierovitch diz que medidas como a medição de temperatura na porta de lojas são “virtualmente inúteis”, já que têm baixa precisão e grande parte dos contaminados pela doença não tem febre. “Nós temos dois problemas. O primeiro é que os protocolos propostos desde o início da pandemia não têm sido seguidos. Tem havido aglomerações, as pessoas continuam em transporte público lotado e frequentando lugares fechados. A segunda questão é que, pelo que se sabe, a variante delta se transmite com ainda mais facilidade que as anteriores, então aqueles protocolos que já não estavam sendo seguidos deveriam ser obedecidos à risca e ser ainda mais rígidos agora”, diz.
Para o pesquisador Vitor Mori, a comunicação sobre as medidas precisa ser reforçada. “As pessoas acham que uma janela aberta é o suficiente, por exemplo. Mas a questão é fazer o máximo de medidas possível. Abrir todas as janelas, colocar ventiladores portáteis voltados para elas e lembrar que, mesmo assim, não existe risco zero. Algumas pessoas dizem que tomaram todos os cuidados e mesmo assim se infectaram. Isso acontece porque não existe risco zero em um cenário de pandemia e todos estão sujeitos ao vírus”, elabora.
Oficialmente, os protocolos da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e do programa estadual Minas Consciente reiteram a obrigatoriedade do uso de máscara, a importância da ventilação e do distanciamento. Em nota, a PBH afirma que a redução dos indicadores da pandemia pode ser atribuída à adesão da população às medidas preventivas, além da vacinação. A Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG) diz que “tem reforçado as recomendações sanitárias como o uso correto de máscaras, lavagem das mãos com frequência e evitar aglomerações”.
Delta pode se “aproveitar” de clima de flexibilização, temem especialistas
Nessa quarta-feira (11), o ministro da saúde, Marcelo Queiroga, afirmou que, até o final deste ano, o caráter pandêmico da Covid-19 terá sido interrompido e que a população poderá “tirar de uma vez por todas essas máscaras”. O médico sanitarista Claudio Maierovitch avalia que a proposta foi precipitada: “As máscaras são baratas, de fácil alcance e representam um desconforto muito pequeno comparado à proteção dada por ela. Não deveríamos nem falar em parar de usá-las, por enquanto. Vencida a etapa de vacinação dos adultos, ainda precisamos programar a vacinação de crianças, adolescentes e, aí sim, pode ser que reduzamos a transmissão. Até lá, não vejo necessidade nenhuma de discutir a retirada das máscaras”, pondera.
A chegada da variante delta ao Brasil, que contabiliza 706 casos de contaminação, coincidiu com a diminuição de índices da pandemia no país, após o avanço da vacinação, que tem sido seguida pela flexibilização de atividades como aulas presenciais e shows, inclusive em Minas Gerais. Para Maierovitch, é necessário frear o otimismo e reforçar cuidados, dada a ameaça de um novo aumento de casos. “Se pudéssemos atribuir alguma inteligência ao vírus, eu diria que ele faz uma armadilha. Nós ainda estamos com cerca de 1.000 mortes por dia no país e as pessoas ficam aliviadas porque os hospitais não estão tão lotados e têm vaga. Mas ainda tem pessoas internadas e parte delas vai morrer”, diz.
Um documento interno do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, divulgado no último mês pelo jornal “The Washington Post”, indica que a variante é tão transmissível quanto a catapora. O pesquisador Vitor Mori, do Observatório Covid-19 BR, contudo, lembra que a informação não foi divulgada publicamente pelo próprio órgão e que ainda não se sabe se a variante é mais transmissível que a gama, predominante no Brasil.
“Vacinas e medidas de prevenção funcionam, não é uma doença nova por causa da variante, e não dá para acharmos que manteríamos tudo fechado como em abril do ano passado. Mas é importante que os governos comuniquem com clareza os riscos e que o cenário pode mudar rapidamente. Acho complicado quem vende a ideia de um dia exato da liberdade, por exemplo”, pontua.