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INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL ESTÁ SENDO USADA POR GOLPISTAS

Imagine entrar nas redes sociais e se deparar com um vídeo “seu” tentando atrair pessoas a investir R$ 1.000 e obter ganhos de até R$ 10 mil. Apesar de não ter feito a gravação, o rosto e a voz utilizados são parecidos com os seus. A situação, que para muitos poderia ser algo futurista, foi real para o analista de suporte João Pedro Andrade, de 25 anos. Ele foi vítima de um ataque hacker no Instagram. E o vídeo? Tratava-se de uma montagem, criada com Inteligência Artificial (IA), que imitava o jovem. “Eu me senti um enganador, mesmo que eu não tenha feito aquilo. Porque, quando você olha o vídeo, sou eu que estou lá”, conta o analista.

O avanço da nova tecnologia torna a população ainda mais vulnerável a crimes cibernéticos, que têm feito cada vez mais vítimas. Em Minas Gerais, neste ano, foi registrada uma média diária de 160 casos de estelionato em meio cibernético até maio, 14 vezes mais casos do que os 11 por dia que ocorreram em 2018, conforme dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp).

Para especialistas ouvidos pelo O Tempo, o aumento do uso das redes sociais e a dependência digital durante a pandemia, além da desinformação, estão por trás da alta desses crimes, que se tornam ainda mais “refinados” com o surgimento de novas tecnologias. Como elas estão cada vez mais realistas e nas mãos de criminosos, conseguem enganar até pessoas mais instruídas.

“Hoje, é possível ter equipamentos que simulam a voz de uma pessoa, que simulam essa pessoa em vídeo. E, com isso, iludem ainda mais vítimas”, explica o advogado especialista em golpes digitais Flávio Pedron. “O fraudador que tiver um bom conhecimento de tecnologia tem um arsenal poderoso em mãos”, alerta o especialista em segurança cibernética e CEO da Alphacode, Rafael Franco, que explica que já existem até ferramentas gratuitas de IA.

No caso de João Pedro, ele conta que a tentativa de golpe envolveu o perfil de um restaurante que também foi hackeado. Um dia depois de ir ao local, ele recebeu uma mensagem da conta oficial do bistrô oferecendo a ele uma cortesia para duas pessoas. Para confirmar, ele teria que enviar uma selfie e o primeiro nome. Como não foram pedidos muitos dados e João havia ido ao estabelecimento no dia anterior, ele não desconfiou e fez o que foi solicitado. “De repente, meu Instagram fechou e eu não tive mais acesso a ele”, relata.

Alguns minutos depois, uma prima ligou para João questionando sobre o vídeo que ele teria publicado. Foi aí que ele descobriu que sua imagem havia sido replicada por meio de inteligência artificial. “Fiquei bem preocupado, pensando que muita gente poderia ter sido lesada”, afirma. Felizmente, nenhum dos seguidores de João acreditou no vídeo falso. “Hoje eu fico bem mais esperto quanto a isso”, garante o analista de suporte.

Nem vídeos são confiáveis

Já conhecido das autoridades e da população, o golpe do WhatsApp clonado ganha uma nova forma com a inteligência artificial. Geralmente, criminosos clonam um perfil no aplicativo e enviam mensagens para familiares e amigos, tentando induzi-los a enviar dinheiro. Agora, áudios e vídeos também estão sendo usados para tornar a farsa mais realista.

A advogada especialista em direito digital e crimes cibernéticos Chayana Simões conta que já atendeu uma pessoa que foi alvo desse tipo de golpe. “Pegaram os vídeos do Instagram de uma cliente e criaram um falso. Mandaram para a mãe dela falando que ela tinha sido sequestrada. A mãe só reparou porque viu que a roupa não era a que ela tinha usado para trabalhar naquele dia”, relata.

E, com o avanço das tecnologias, até uma simples conexão do celular à internet se torna porta de entrada para criminosos. Foi ao acessar automaticamente uma rede de Wi-Fi pública que o jornalista Patrick Ferreira, de 27 anos, teve o telefone invadido. “A tela começou a mexer sozinha, apareceram arquivos que não eram meus, notificações de Uber, e eu não conseguia me desconectar da rede”, relembra.

O caso aconteceu em BH, em fevereiro do ano passado, e a sorte de Patrick foi que, por coincidência, ele havia desinstalado os aplicativos de banco. “Eu tive que comprar outro telefone. O vírus foi tão forte que não teve como resetar o celular, nenhum técnico conseguiu”, lamenta.

Delegada da Polícia Civil faz alerta

O crime em que vozes e imagens são clonadas parece cenário de ficção científica, mas já é realidade, inclusive, em Minas Gerais. Segundo a delegada Marcelle Bacellar, do Departamento Estadual de Combate a Corrupção e a Fraudes, o uso dessa ferramenta por criminosos tem proliferado. “A vítima, acreditando ser aquela pessoa que ela conhece, acaba cedendo ao apelo do estelionatário e faz uma transferência ou doação”, explica.

Segundo a delegada, é importante que a população esteja alerta e fique por dentro das novas ferramentas digitais. “O estelionatário usa a voz e a imagem da pessoa, então é muito difícil não cair nesse golpe”, reforça. Para Marcelle Bacellar, o poder público deve reforçar ações de educação digital.

A Polícia Civil de Minas Gerais informou atuar na prevenção e conscientização desse tipo de crime. “Como também atua na capacitação do corpo policial, tendo o Departamento de Combate a Corrupção e a Fraudes como setor especializado”, afirma em nota.

Apesar de o uso de inteligência artificial estar se tornando mais comum em golpes de estelionato por meio digital, a Polícia Civil de Minas Gerais não sabe precisar quantos registros desse crime estão ligados à ferramenta. “O recorte de dados pedidos não é possível de ser estratificado”, respondeu a corporação, após solicitação de O Tempo.