MG TEM 69 DELEGACIAS ESPECIALIZADAS PARA MULHER
Dados da Polícia Civil mostram que, somente até maio deste ano, 55.908 mulheres foram vítimas de violência no Estado. Minas Gerais, com seus 853 municípios, conta, atualmente, com 69 Delegacias Especializadas em Atendimento à Mulher (Deams). Esses locais, conforme frisa Luiza Santos, coordenadora do Projeto de Pesquisa e Extensão em Crimes contra a Mulher da UFMG (Crim/UFMG), têm profissionais capacitados para lidar com as demandas, com toda a delicadeza que a situação exige.
Porém, diz ela, o número é insuficiente – e traz à tona as diversas vulnerabilidades de muitas mulheres. Com essa quantidade, afirma Luiza, o acesso aos locais fica bastante comprometido.
“Muitas mulheres não conseguem acessar essas delegacias, seja por falta de recursos financeiros para pegar o transporte público, seja por falta de conhecimento do endereço ou por uma série de outros fatores, agravados pela pandemia, que dificultam o acesso à ajuda. Ainda mais quando essa ajuda está distante”, revela.
“A existência de uma rede de proteção mais forte, com número maior de delegacias disponíveis, aumenta o rol de possibilidades de onde pedir ajuda”, destaca.
Apesar de outras delegacias – as que não são focadas no atendimento à mulher – também atenderem denúncias do público feminino, para Luiza, não é a mesma coisa. Conforme ela destaca, o atendimento direcionado é essencial. “Essa rede precisa ser especializada. São esses profissionais que, diferentemente de uma delegacia comum, serão capacitados e treinados para atender a mulher de uma forma diferenciada, acolhedora e com perspectiva de gênero, ou seja, sem revitimizá-la ou culpabilizá-la pela violência sofrida”, afirma.
‘É uma luta para mantê-las vivas’
Mas o que é essa culpabilização da mulher? Jutthay Nogueira, presidente do Projeto Romper e da Casa Acolher para Mulheres, conhece de perto casos de vítimas da violência, principalmente em favelas. Ela conta que, muitas vezes, essas pessoas são confrontadas com questionamentos duros, que deslegitimam aquilo que estão sentindo.
“Fazemos um ‘corre’ tremendo para direcionar essas mulheres, fortalecer. Ainda existe o medo de elas denunciarem o companheiro sendo mulher de favela – porque existem situações por trás disso – e também a questão da violência contra a mulher da favela, que já vem com rótulo: ‘Quem mandou você se envolver com bandido?’”, relata.
Quando uma mulher consegue denunciar a agressão às autoridades, geralmente, ela já sofreu muito, conforme diz Jutthay. “É uma luta que você não tem noção, para que a gente possa estar fortalecendo e as mantendo vivas, com a saúde mental em dia. Quando uma menina chega para nós e relata que está em ciclo de violência, já se passaram alguns Carnavais”, diz.
A situação é mesmo muito delicada, conforme ressalta a defensora pública Maria Cecília Oliveira, da Defensoria Especializada na Defesa dos Direitos das Mulheres em Situação de Violência (Nudem-BH). Ela, que também considera insuficiente o número de Deams, ressalta o quanto é importante um atendimento especializado, já que a violência doméstica tem diversas particularidades.
Fases da violência doméstica
“O fenômeno da violência doméstica é bem peculiar. A violência doméstica funciona em ciclos. Normalmente, a gente tem o agressor, que vai tomando conta, controlando a vida da mulher. Depois, vai controlando as companhias dela, com quem ela anda, os horários que ela chega em casa. Esse controle vai ficando cada vez mais grave, até que culmina numa agressão física ou numa violência sexual. Depois, ele normalmente se arrepende e tem a fase da ‘lua de mel’. Então é importante a compreensão desse ciclo para quem está atendendo aquela mulher, muitas vezes, entender por que ela volta atrás em uma representação criminal, por que, às vezes, ela não quer uma medida protetiva”, diz.
Conforme ressalta Maria Cecília Oliveira, esse tipo de atitude da mulher não é porque ela quer permanecer em violência. “Existem inúmeros fatores que fazem com que aquela mulher tenha receio de continuar. Às vezes ela tem medo de sofrer alguma retaliação por parte do agressor ou da família dele. Ela é pressionada, às vezes, pelos filhos que ela tem em comum com aquele agressor. Às vezes tem uma questão de dependência econômica ou até de dependência emocional em relação à pessoa que a agride”, salienta.
Escuta diferenciada
A importância de uma escuta diferenciada é também destacada por Tetê Avelar, vice-presidente do Conselho Municipal do Direito da Mulher. De acordo com ela, quando se trata de uma mulher vítima de violência, é importante que a abordagem e até mesmo as perguntas sejam diferenciadas. “Para que a pessoa não sinta vergonha, para que se sinta acolhida e, principalmente, em um ambiente onde não estejam outras pessoas, para que elas não sejam violentadas novamente”, afirma.
Nesse cenário, a delegada Isabella Franca conta que as Deams oferecem atendimento, preferencialmente, feito por profissionais do sexo feminino. De acordo com ela, com as delegacias especializadas, as mulheres se sentem mais encorajadas a procurar atendimento. Mesmo assim, ainda existem desafios – a subnotificação de casos de violência contra a mulher é uma realidade, segundo a delegada.
“São diversos os fatores que levam a isso: agressor que tem relação próxima com a mulher, dependência econômica, emocional, culpa, relação afetiva, acreditar na mudança…”, enumera ela.
Apesar de as Deams trabalharem especificamente com o público feminino, segundo Isabella Franca, todas as delegacias estão aptas para receber as mulheres, com profissionais capacitados. “A Polícia Civil capacitou todos os servidores”, afirma.