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NEGROS GANHAM R$ 1 MIL A MENOS EM MG

Dados do 2º Relatório de Transparência Salarial Entre Mulheres e Homens, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), apontam que, em Minas Gerais, os trabalhadores negros – homens e mulheres – recebem, em média, cerca de R$ 1 mil a menos do que pessoas de outras etnias.

Segundo os dados do órgão federal, que contou com informações repassadas por 5.108 empresas mineiras com mais de 100 funcionários, o salário médio entre homens e mulheres negros é de R$ 3.009,12. Já entre os “não negros”, o valor pago pelos empregadores chega a R$ 4.083,74, quase R$ 1.100 acima. A discrepância é ainda superior à diferença salarial entre homens e mulheres (de todas as etnias), que, segundo o mesmo relatório, era de R$ 992,57 em 2024.

“Nós vemos que os homens negros recebem um pouco abaixo das mulheres não negras. Mas as mulheres negras estão ainda mais abaixo de tudo. E a gente não consegue desvencilhar isso do racismo estrutural, que dá às mulheres negras, historicamente, o papel de empregos domésticos, remunerados e não remunerados. Essa é uma questão estrutural brasileira, fruto de uma sociedade construída inteiramente com uma base escravista”, pondera a auditora fiscal Camila Bermegui, que está à frente da Coordenação Nacional de Combate à Discriminação, ao Assédio e à Violência e Promoção de Igualdade de Oportunidades de Trabalho (CONAIGUALDADE), do MTE.

Racismo no ambiente de trabalho

Mas, para além da diferença salarial, muitas vezes o racismo se manifesta no ambiente de trabalho na forma de injúrias raciais, sejam elas cometidas por clientes ou por colegas de trabalho. O crime, que desde janeiro de 2023 foi equiparado ao racismo e passou a contar com uma pena de 2 a 5 anos de prisão, apresentou um aumento de 202,5% entre janeiro e setembro de 2024, com 1.331 registros, segundo dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp). O número corresponde a quase cinco casos por dia.

O professor de capoeira e pai de três filhos Gustavo Gonçalves, de 29 anos, morador de Ribeirão das Neves, na região metropolitana de Belo Horizonte, trabalha como educador de capoeira na rede pública de ensino da capital mineira. No último dia 11 de novembro – data de seu aniversário -, ele acabou sendo recebido em seu local de trabalho com um ato racista vindo de uma colega.

Por conta da data especial, o professor resolveu mostrar seus cachos e finalizou seu cabelo, saindo do usual estilo Black Power, que já faz parte de sua identidade. Entretanto, ao chegar para trabalhar, ele acabou indagado pela mulher, que disse: “Finalmente cortou esse cabelo! Agora está parecendo gente”.

“Hoje tenho o sentimento de mãos atadas pelo fato dela não ter sido responsabilizada pelo ato imoral e preconceituoso, principalmente porque foi na frente de vários alunos e educadores no momento. Expresso minha revolta pela falta de responsabilização. Nem em uma rede de ensino público estamos seguros de tais atos, lembrando que as crianças também estão expostas a esse tipo de atitude e sujeitas à reprodução da imoralidade”, completa Gustavo.

Antônio*, de 21 anos, que trabalhava em uma grande rede de fast food também na região metropolitana de Belo Horizonte, foi vítima de racismo por parte de um colega de trabalho no último dia 26 de outubro. Na ocasião, o colega gravou vídeos do jovem utilizando um filtro de macaco.

Após ser questionado sobre o vídeo, o suspeito da injúria o chamou de “macaco” e “preto”. “Isso impactou muito na minha vida. Tive até que sair da empresa, pois não tinha como continuar lá. Fiquei muito triste porque foi a primeira vez que isso (racismo) aconteceu comigo. Me abalou bastante”, conta.

Falta de diversidade é “sinal de alerta” para empresas

Ainda conforme a coordenadora da CONAIGUALDADE, Camila Bermegui, o primeiro passo para a empresa ou empregadores identificarem problemas raciais é observar se existe uma diversidade social no ambiente do trabalho. Para a auditora fiscal, também é importante que as empresas estejam atentas para não empregar pessoas com pensamentos discriminatórios em seus quadros de funcionários.

“A falta dela (diversidade) indica um risco psicossocial, que demandará medidas mais eficazes para se combater isso. Entre essas medidas estão a tolerância zero para atitudes discriminatórias, a disponibilização de um canal de denúncia para seus funcionários e, também, a promoção de palestras mensalmente. Não basta ter, anualmente, uma semana para tratar disso”, sugere.

Um crime que gera traumas em suas vítimas

O sociólogo e especialista em desigualdades sociais João Saraiva explica que os crimes raciais podem trazer impactos profundos para suas vítimas, afetando principalmente a saúde mental e social. “Entre os efeitos mais comuns estão a baixa autoestima, ansiedade, sensação de exclusão e dificuldades em confiar nas pessoas ou frequentar determinados espaços. Muitas vezes, isso também pode afetar a forma como a pessoa enxerga sua identidade, levando à perda de orgulho racial ou a um sentimento de não pertencimento”, ressalta João.

Ele salienta que episódios de injúria racial podem desencadear sintomas de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). “O estresse gerado pode causar sintomas físicos, como insônia e cansaço, e até prejudicar o desempenho profissional e/ou escolar. Esses impactos mostram que a injúria racial não é apenas um insulto, mas algo que pode deixar marcas profundas”, afirma.

O sociólogo aponta que, devido ao racismo estrutural, ambientes mais embranquecidos podem trazer situações de hipervigilância para pessoas negras. “Esse fato é potencializador de ansiedades sociais que podem levar pessoas negras a um ciclo de auto sabotagem e autoexclusão”, explica.

Importância do Dia da Consciência Negra

João Saraiva afirma que o fato de o dia 20 de novembro – Dia da Consciência Negra – ter se tornado feriado nacional pela primeira vez é de importância histórica. “É resultado de uma luta constante pela projeção da importância da história da população negra e do protagonismo de pessoas negras na busca pela construção da própria cidadania no Brasil”, comemora.

Saraiva ressalta que, em teoria, o mês da Consciência Negra seria maio, já que foi em 13 de maio que a Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel, aboliu a escravidão. “Mas por que então novembro? Porque o 13 de Maio marcou mais a continuidade de um abandono e de uma repressão do que de fato uma liberdade. Já o 20 de novembro marca o dia da morte de

Zumbi dos Palmares, um dos pilares da luta contra o sistema escravista no país. Personalidades como Zumbi, Maria Felipa, Luiza Mahin, Luiz Gama e outras foram fundamentais para o fim da escravidão no país”, enfatiza.

“Celebrar 20 de novembro é entender o cenário persistente das desigualdades raciais no país e as maneiras como essas se aprofundam. Políticas públicas intencionais, conscientização social e um sistema jurídico efetivo para tratar situações de injúria racial e racismo são uma tríade potente para moldarmos a sociedade de forma mais equânime”, pontua João Saraiva.

Alunos que chamaram rivais de “cotistas” poderão ser expulsos

Na última segunda-feira (18), a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), instaurou uma comissão que definirá sobre a expulsão ou não de estudantes que foram filmados ofendendo alunos da Universidade de São Paulo (USP), chamando-os de “cotistas” e “pobres” durante uma partida de handebol nos Jogos Jurídicos estaduais, no último sábado (16).

A Faculdade de Direito, em nota, se comprometeu a responsabilizar os envolvidos de maneira “justa e exemplar”. “Essas manifestações são absolutamente inadmissíveis e vão de encontro aos valores democráticos e humanistas historicamente defendidos por nossa instituição”, disse o texto. Um vídeo do momento da provocação mostra algumas pessoas na torcida do direito da PUC gritando os termos, enquanto fazem gestos remetendo a contagem de dinheiro e profere xingamentos.

O processo que definirá sobre a expulsão deverá levar 40 dias.