NO BRASIL, 56% DAS CRIANÇAS COM 7 E 8 ANOS NÃO ESTÃO ALFABETIZADAS
Uma criança que cresce sem ler ou com a alfabetização deficitária pode ter problemas diversos de formação, incluindo a dificuldade de entender o mundo. Pode haver comprometimento da interpretação de textos e sobre a vida como um todo, alerta Sérgio Porfírio, psicopedagogo especialista em educação. Ele complementa que a autoestima e o trabalho podem ser afetados.
Para a psiquiatra Jaqueline Bifano, especializada em transtornos do neurodesenvolvimento infantil, “a criança sem esse estímulo de aprendizagem, que não sabe ler, pode acreditar que é de menos valia, que não é capaz, tornando-se um adulto inseguro”.
No Brasil, alguns números preocupam. E não são somente dados de analfabetismo. As estatísticas mostram que o processo de alfabetização tem demorado mais. Em todo o país, 56,4% dos alunos do segundo ano do fundamental (de 7 e 8 anos), em 2021, não sabiam ler nem escrever, segundo a pesquisa “Alfabetiza Brasil”, do Ministério da Educação (MEC), divulgada em maio. Em 2019, no estudo anterior, o percentual era 39,7%. Pela Base Nacional Comum Curricular, crianças devem ler até o fim do segundo ano do fundamental.
Para Francisca Izabel Pereira Maciel, professora do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), os dados preocupam. Ela diz que essa demora na alfabetização é reflexo da condução ruim na pandemia de Covid-19. Segundo Francisca, faltaram orientação e práticas – nos âmbitos nacional e estadual – efetivas sobre os rumos educacionais, o que penalizou, sobretudo, os alunos da rede pública.
“É com tristeza que vemos esses dados. Se esse problema não for enfrentado, daqui a cinco anos eles serão adolescentes analfabetos”, diz. Valéria Morato, presidente do Sindicato dos Professores de Minas Gerais, afirma que, na pandemia, os celulares comprados chegaram depois que os alunos tinham voltado ao presencial. “Houve readequação de cadastro. Muitos foram encaminhados a unidades distantes e abandonaram a escola. Faltam investimentos, inclusive os obrigatórios”, disse.
Taxa é a pior no Sudeste
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua de 2022, apresentada em maio deste ano, também traz dados que assustam: Minas é o Estado do Sudeste com a maior taxa de pessoas de 15 anos ou mais não alfabetizadas: 4,8%.
Segundo o analista do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em Minas Gerais, Alexandre Veloso, os números ruins do Estado em relação à região Sudeste são também um reflexo do contraste entre as cidades mais desenvolvidas e as outras em situação mais precária. “Minas espelha o que acontece no Brasil. Temos uma desigualdade regional”, avalia Veloso.
O Estado informou que faz avaliações internas e externas do aprendizado e que viabiliza programas, como o Reforço Escolar, com 100 mil vagas em 2023, e o Plano de Recomposição das Aprendizagens (PRA), que visa atenuar os efeitos da pandemia na educação.
Mãe comprou material para auxiliar o filho, e tem dado certo
Ao temer que o filho Théo, de 7 anos, pudesse não aprender a ler ou tivesse dificuldades no aprendizado, a analista jurídico Fernanda Rizzo, de 34 anos, decidiu intervir. Ela comprou livros didáticos de um colégio particular e começou a repassar o conteúdo com Théo, que está no segundo ano do ensino fundamental em uma escola pública de BH.
“As professoras contaram que há alunos da sala dele que só agora começaram a escrever o nome. É um atraso muito grande”, comentou a mãe. Segundo ela, o reforço começou na pandemia, quando os colégios precisaram ser fechados, e não parou. Com isso, Théo lê e escreve. “É muito importante. Por saber ler, ele pode buscar outras fontes de informação, o que enriquece o conhecimento”, avalia.
Pesquisa. A “Alfabetiza Brasil” faz parte do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que ocorre de forma amostral em escolas públicas e privadas das zonas urbanas e rurais.
Investimento
O MEC declarou que vai investir R$ 3 bilhões nos próximos três anos na melhoria da alfabetização infantil. Entre as ações está o reforço do estímulo a oralidade, leitura e escrita na pré-escola e nos primeiros dois anos do fundamental, para crianças de até 8 anos.