RISCO DE SUICÍDIO CAI ATÉ 14% ONDE HÁ CENTRO DE APOIO PSICOSSOCIAL
PREVENÇÃO
Em Minas Gerais, menos de metade das cidades conta com unidades de Caps para tratamento de transtornos mentais
Apesar de o suicídio ser um ato com explicações diversas – sociais, econômicas, históricas, entre outras –, um fator acaba se destacando: grande parte das pessoas que tentam tirar a própria vida tem um transtorno mental diagnosticável, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Esse ponto coloca o ato de se matar como algo possível de ser evitado com acesso a atendimento médico adequado para uma parcela das vítimas. No Brasil, o Ministério da Saúde já estimou que, nos locais onde existem Centros de Apoio Psicossocial (Caps), o risco de suicídio chega a ser 14% menor.
Essa pesquisa é de 2017, mas é a mais recente disponível. Por meio de nota, a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) reconhece que a implantação de Caps é uma ação estratégica e informa que, atualmente, o Estado tem 383 centros. Se cada uma dessas unidades estivesse localizada em uma cidade, nem metade (44,9%) dos 853 municípios mineiros contaria com o serviço. Entretanto, algumas cidades, como Belo Horizonte, Contagem e Ibirité, têm mais de um centro, o que quer dizer que o percentual de municípios que não contam com o serviço é ainda maior.
O Caps faz atendimento prioritário às pessoas com sofrimentos ou transtornos mentais graves e persistentes, incluindo aquelas com necessidades em função do uso de álcool e outras drogas. Além do centro psicossocial, a rede de saúde mental do Estado conta com o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), que pode ser chamado em casos de emergência em tentativas de suicídio, e leitos em hospitais gerais (381) e psiquiátricos (564). A expectativa do governo do Estado é implantar, ainda neste ano, 150 novos leitos de saúde mental em hospitais gerais. A ação não foi detalhada.
Além da quantidade, a qualidade do atendimento também está em debate. “Quem está em uma cidade pequena vai para um local que não tem equipe, não é tratado e vai para casa. Colocar um leito no hospital geral ou na Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) não adianta nada. É como só colocar uma plaquinha”, critica o psiquiatra Diego Tinoco. Segundo o especialista, faltam ações concretas de combate ao suicídio. “A questão fica só em torno do Setembro Amarelo, mas deveria existir de janeiro a janeiro, porque a prática da prevenção tem que ser constante”, diz.
Capacitação.
Para o gerente da Rede de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Fernando Siqueira, é preciso investir na formação dos profissionais da saúde pública para contribuir com a identificação do sofrimento mental antes que a vítima chegue ao extremo de se matar. “Precisamos falar com cuidado sobre suicídio e abordar o assunto com as famílias, em termos de saúde pública. Além disso, é necessário entender o contexto e as causas, que são complexas. Para identificar melhor o sofrimento mental, é preciso fazer um treinamento dos profissionais para essa escuta qualificada”, diz.
Uma teoria que, na visão da psicóloga Giovana Vidotto, ainda não se aplica na prática. Autora do estudo “Tentativa de suicídio: vivências dos profissionais de saúde no pronto-socorro”, ela concluiu, após ter ouvido trabalhadores da ativa, que suicídio é um tabu até dentro de hospitais. “Existe um silêncio entre os próprios profissionais de saúde porque eles não são treinados para lidar com a morte, mas para salvar vidas”, afirma.
De acordo com Giovana, o cuidado no pronto-socorro é fragmentado, e os profissionais estão lá para cuidar do corpo físico, mas há uma dificuldade para lidar com o emocional. “Alguns colaboradores não entendem que aquela tentativa é um pedido de ajuda. Dependendo de como o paciente chega, ele quer falar, ter acolhimento, mas, muitas vezes, isso não é oferecido, pela própria rotina e estresse dos profissionais”, explica a psicóloga.
Giovana destaca que não necessariamente quem tem transtorno mental vai tentar suicídio e que a tentativa não pode ser usada como determinante para um diagnóstico, no entanto é um fator de risco.
Saúde mental merece tanta atenção como a do corpo
Para a psicanalista Cristiane Ribeiro, a dificuldade de se tratarem depressão e outros transtornos mentais diz muito sobre a sociedade atual e explica parte do alto índice de suicídios. “Nós nos preocupamos muito com a saúde do corpo, mas nos esquecemos da mente. O Sistema Único de Saúde (SUS), apesar de ser extremamente importante para a população, infelizmente, ainda está aquém do ponto de vista de saúde mental, principalmente na prevenção. Há um trabalho mais curativo de neuroses, depressões e psicoses graves depois de surtos. Precisamos focar mais os sinais do sofrimento que podem levar até a radicalidade da morte”, diz.
Vinda de uma família de origem humilde, uma gerente de contas em uma multinacional sempre conviveu com pensamentos suicidas, mas não tinha condições financeiras para recorrer a um tratamento, nem ajuda em casa. “Na infância, tenho certeza absoluta de ter tido depressão, porque eu programava o suicídio. Aos 8 anos, eu tinha ideação suicida, e não fazia para chamar atenção. Simplesmente queria morrer, porque a morte se apresentava como única solução. Só não fiz porque tinha medo de dar errado”, lembra a gerente, de 40 anos, que pediu anonimato.
Quando tomou a decisão de tirar a própria vida, aos 17 anos, conseguiu buscar um apoio. Mas antes disso ela ficou trancada no quarto, sem forças nem para comer. “Eu queria tirar aquela dor da alma. Eu,
muitas vezes, maquiava o sofrimento, para me esconder porque estava cansada de ouvir dos outros que era bobeira e que ia passar”, conta. Antes de efetivar o plano de autoextermínio, ela buscou ajuda de uma vizinha que era psicóloga e descobriu que aquela dor tinha um nome: depressão. Ali, a então adolescente soube que havia cura, fez terapia, se medicou e, hoje, traz um relato de esperança: “É preciso observar a tristeza e pedir ajuda. Eu já consigo enxergar que tudo passa. Tirar a vida não é solução. Uma gota d’água não pode ser um oceano”, desabafa.
Via O Tempo